quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Não estamos prontos


            O ser humano não nasce pronto. Aliás, sempre está se gestando, sempre em crescimento contínua busca da perfeição. Na teologia, dizemos que estamos em processo de constante busca da santificação.
            Esta capacidade de sempre de novo aprender e reaprender é que torna a vida bonita e prazerosa. Sem esta tonalidade, a vida perde a graça, se torna monótona. A depressão toma conta de nós quando perdemos a vontade de lutar, de buscar cada dia de novo o novo, quando nos reinventamos continuamente. Viver cada dia como se fosse o dia mais importante. Viver cada dia como se fosse o último de nossa existência.
            Isto vale também para a Igreja: ela não nasceu pronta e nem está e nunca estará pronta. Ela é o movimento de Jesus, no contínuo esforço de continuar sua obra, que é de “tornar presente o Reino de Deus no mundo” (Papa Francisco, Evangelii Gaudium 176). Portanto, ela está continuamente se “originando”, criando diferentes formas de ser e de fazer sua missão, segundo os desafios de cada época. Por isso, a sucessão de modelos de pastoral e, subjacentes a eles, concepções e Igreja que vão se ampliando.
            Na América Latina, a partir da renovação do Concílio Vaticano II (1962-1965), a Igreja gestou um modelo de pastoral frente ao que havia no momento, que nas palavras do Documento de Puebla (1979) podemos denominar de “pastoral de comunhão e participação”.
            Isso significa uma Igreja “de comunhão, na convivência fraterna da comunidade dos fieis”, no dizer do teólogo e pastoralista Pe. Agenor Brighenti. Esta comunhão deve ser interna, entre os membros, e externa, junto da sociedade. É um desafio que é colocado e que sempre de novo deve ser buscado. Ainda mais numa época em que o ser humano, apesar de vivermos numa era da comunicação, se isola cada vez mais, tornando-se individualista e autossuficiente.
            A comunhão, tanto no seio da Igreja como na sociedade, se dá pela “participação” efetiva de cada batizado, seja como cristão na comunidade eclesial, seja como cidadão na sociedade. Não há bom cristão se ele não for também um bom cidadão. A promoção do bem comum é parte integrante da missão da Igreja. Para o Concílio Vaticano II, “a esperança de uma nova terra, longe de atenuar, antes deve impulsionar a solicitude pelo aperfeiçoamento desta terra” (Gaudium et Spes 39).
            Para a Igreja na América Latina, o “aperfeiçoamento desta terra” se dá pela transformação da sociedade atual em uma nova sociedade, por uma ação na ótica da opção preferencial pelos pobres contra a pobreza (Medellin 14.7-10), em vista da transformação das estruturas, condição para a erradicação do pecado social, no dizer do Papa João Paulo II.
           

            

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Santos brasileiros

  Os padres André de Soveral e Ambrósio Francisco Ferro, Mateus Moreira e 27 companheiros leigos foram beatificados pelo papa João Paulo II, no dia 5 de março de 2000. E nesta semana especial para os brasileiros - os 300 anos do encontro da imagem de Nossa Senhora Aparecida nas águas do Rio Paraíba do Sul, SP - o papa Francisco canonizou os mártires de Cunhaú e Uruaçu, neste domingo, dia 15 de outubro.
 Confesso que até pouco tempo não conhecia a existência e a história dos Protomártires brasileiros e o seu martírio. 
 A evangelização no Rio Grande do Norte foi iniciada em 1597 por missionários jesuítas e sacerdotes diocesanos, originários do reino católico de Portugal. Nas décadas seguintes, a chegada dos holandeses, de religião calvinista, provocou a restrição da liberdade de culto para os católicos que, a partir daquele momento, foram perseguidos. É neste contexto que se verifica o martírio dos Beatos, em dois episódios distintos.

O primeiro acontece em 16 de julho de 1645, na Capela de Nossa Senhora das Candeias, em Cunhaú, no município de Canguaretama, na zona agreste do Rio Grande do Norte. Decorria a Missa dominical celebrada pelo pároco, padre André de Soveral, com cerca de 70 fieis, quando um grupo de soldados holandeses, com índios ao seu séquito, fez irrupção no lugar sagrado e massacrou os féis inermes.
O segundo episódio remonta a 3 de outubro do mesmo ano, onde 80 pessoas foram mortas. Terrorizados pelo sucedido, os católicos de Natal procuraram pôr-se a salvo em abrigos improvisados, mas em vão. Feitos prisioneiros, juntamente com o seu pároco, o padre Ambrósio Francisco Ferro, foram levados para perto de Uruaçu, onde os esperavam soldados holandeses e cerca de duzentos índios, cheios de aversão contra os católicos. Os féis e o seu pároco foram horrivelmente torturados e deixados morrer entre bárbaras mutilações. Uma das vítimas foi o camponês Mateus Moreira, que teve o coração arrancado pelas costas, enquanto repetia a frase: “Louvado seja o Santíssimo Sacramento”. Ele foi declarado pela Igreja Católica do Brasil como Patrono dos Ministros da Sagrada Comunhão.
Do numeroso grupo de féis assassinados, conseguiu-se identificar com certeza apenas trinta. São eles: P. André de Soveral e Domingos Carvalho, mortos em Cunhaú; P. Ambrósio Francisco Ferro, Mateus Moreira, Antônio Vilela, o jovem, e sua filha, José do Porto, Francisco de Bastos, Diogo Pereira, João Lostão Navarro, Antônio Vilela Cid, Estêvão Machado de Miranda e duas filhas, Vicente de Souza Pereira, Francisco Mendes Pereira, João da Silveira, Simão Correia, Antônio Baracho, João Martins e sete companheiros, Manuel Rodrigues Moura e sua esposa, uma filha de Francisco Dias, o jovem, mortos em Uruaçu.

            

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Fátima e Aparecida


            Com a celebração da festa de Nossa Senhora Aparecida encerrou-se o Ano Nacional Mariano, vivenciado durante as comemorações dos 300 anos do seu encontro nas águas do Rio Paraíba do Sul.
            Sem dúvida foi um ano de muitas bênçãos e graças. “Trezentos anos de Aparecida, trezentos anos de devoção. Nossa Senhora das águas surgida, aponta o caminho de um Brasil irmão.” Este refrão, composição do padre Ezequiel Dal Pozzo, da Diocese de Caxias do Sul, encantou a todos nós.
“És a senhora de nossas famílias
Intercessora sustento na dor
Nossa Senhora das mãos que partilham
A vida, os sonhos, a paz e o amor.
És a senhora dos mais pequeninos
Dos corações machucados sem luz
És a estrela a guiar os caminhos
Dar rumo certo apontando Jesus
És a senhora Morena das cores
As diferenças em ti encontram paz
A nossa pátria de tantos amores
A ti venera e o respeito refaz.
És mãe que ensina a ficarmos em pé
Lançar sementes mesmo em meio à dor
Tua confiança nos mostra que a fé
É a maior força se unida ao amor.”
            Como faz bem para a nossa fé e para nossa religiosidade esta devoção mariana. São muitos nomes para a mesma Mãe. São muitas devoções para Aquela que jamais nos abandona. Ela está sempre presente. Em Fátima, com as crianças. Em Lourdes, com os enfermos de todo mundo. Em Guadalupe, com os povos indígenas. Em Aparecida, com os pobres, negros e esquecidos. Como Rainha da Paz, como Consoladora dos aflitos, como Medianeira de Todas as Graças. Como a Mãe do Patrocínio, que sempre nos ampara e protege. Como a Mãe do Horto, presente nas coisas simples da vida familiar.
            Que estas bênçãos e graças se multipliquem em nós e nos ajudem a fazer, de fato, um Brasil irmão!

            

terça-feira, 3 de outubro de 2017

300 anos de bênçãos e graças


            “Quero lembrar os fatos que aconteceram naquele dia, quando por entre as redes, aquela imagem aparecia. Vendo surgir das águas a tosca imagem de negra cor, agradeceram todos à mãe de cristo por tanto amor.” (Padre Zezinho)
            Com a festa dos 300 anos de Aparecida, está encerrando o Ano Nacional Mariano. Ano que nos fez ver mais de perto e cantar juntos as graças que foram alcançadas e as bênçãos derramadas sobre seus devotos e sobre a nação brasileira.
          Torno a lembrar os fatos que agora tocam a tanta gente; esta senhora humilde, de cor morena, se fez presente uma nação, aonde imperava a mancha da escravidão. Nossa Senhora escura nos diz que o cristo nos quer irmãos.”
             A manifestação simbólica e real de Maria ao longo da história vem confirmar a predileção da mãe pelos seus filhos pequenos e mais sofridos. No México, quando os colonizadores espanhóis estavam dizimando os povos daquela região, ele aparece morena, da cor do povo indígena que habitava aquela terra, como sendo a Senhora de Guadalupe, a mãe que vem em socorro dos pequenos e fracos.
            No Brasil do século dezoito, quando a escravidão africana era mais cruel e intensa, ela surge das águas, qual a pesca milagrosa do evangelho, negra, assumindo a negritude e se colocando ao lado dos excluídos e machucados de toda dignidade. Veio trazer vida e dignidade, colocando-se silenciosamente ao lado dos pequenos. Sua imagem fala e foi um grito de liberdade contra todas as escravidões e opressões.
         “Hoje, que eu vejo gente voltar contente de Aparecida, penso na minha Igreja com os pequenos comprometida. Penso nas diferenças que ainda ferem o meu país, peço que a mãe do Cristo conduza o povo ao final feliz.”

             O cântico do Magnificat resume toda a atuação de Deus na história da humanidade. E coloca a “bendita entre as mulheres” como sendo a porta-voz do Deus que olha para “a pequenez de sua serva” e para o sofrimento do seu povo, de ontem e de hoje também. E renova a esperança dos pequenos, que “derruba dos tronos os poderosos e eleva os humildes, sacia de bens os famintos e despede os ricos sem nada”.