Para
compreendermos de forma sensata e libertadora a Primeira carta de João às
comunidades joaninas, melhor dizendo, carta de João às comunidades do discípulo
amado e especificamente compreendermos a parte de 1 Jo 2,29–4,6 que propõe às
pessoas e às comunidades cristãs que ‘para
ser filha e filho de Deus temos que ser pessoas justas’ é
preciso várias coisas. Primeiro, ler, reler e tresler o texto devagarinho, de
preferência de forma comunitária. Segundo, considerar a caminhada histórica das
comunidades cristãs do discípulo amado. Tiveram uma origem (1ª fase) calcada na
experiência da ressurreição de Jesus Cristo. Passaram por uma 2ª fase, durante
a qual foram espirradas para a diáspora, entre os gentios, considerados pagãos,
na Ásia Menor, após serem expulsas da sinagoga na década de 80 do século 1.
Vivenciaram uma 3ª fase, por volta do ano 100 depois de Cristo, época da
redação das cartas “joaninas” por um coordenador de comunidade, em Éfeso,
endereçadas às comunidades cristãs do Discípulo Amado. E chegaram a uma 4ª
fase, durante o Século II, depois das “cartas joaninas”. Nessas várias fases,
as comunidades do discípulo amado passaram por várias crises. E nós hoje,
leitoras e leitores da Primeira
carta de João somos convidados a beber da seiva original de
todas as fases anteriores e, principalmente, como filhas e filhos do Deus da
Vida, vivendo e convivendo de forma justa e lutando pela superação de toda e
qualquer injustiça que se abate sobre qualquer pessoa ou ser vivo da
biodiversidade.
Importante notar que são várias
comunidades do discípulo amado, não apenas uma. Nós também, mesmo participando
de comunidades diferentes, precisamos estar em comunhão conspirando em sintonia
com projeto do Evangelho de Jesus Cristo que quer vida e liberdade em
abundância para todos e para todos os seres vivos (cf. Jo 10,10). A caminhada
histórica das comunidades cristãs do discípulo amado, passando por quatro
fases, se deu como se as quatro fases fossem uma corda onde estivessem entrelaçados
quatro fios. Cada fase corresponde a um fio, que não deve ser visto de forma
isolada, mas como um conjunto entrelaçado. Um fio sozinho é fraco, mas quando
se juntam muitos fios, entrelaçando-os, a força da fraqueza surge e se torna
invencível. Assim, uma pessoa ou comunidade sozinha e isolada é frágil, mas
quando se articula com outras pessoas e comunidades injustiçadas e estabelece
caminhada conjunta em comunhão supera obstáculos por vezes tidos como
intransponíveis, e conquista direitos. No meio das Comunidades Eclesiais de
Base (CEBs) é comum ouvirmos: “isolada, sou um pedaço de pessoa. Participando
da comunidade me torno pessoa inteira.”
Outros dois critérios imprescindíveis para uma boa compreensão da mensagem da Primeira Carta de João e, especificamente, de 1 Jo 2,29-4,6, são o contexto que envolvia as comunidades do discípulo amado e como buscavam vivenciar internamente projeto de Jesus Cristo ressuscitado. O contexto era tremendamente adverso: imperialismo romano que superexplorava o povo submetido ao regime de escravidão – 1/3 das pessoas de um império com 60 milhões de habitantes não eram consideradas pessoas, mas coisas/mercadorias –, contexto de violentação do povo também pela exploração tributária – quem mais pagava impostos embutidos em tudo o que se comprava eram os pobres. As instituições religiosas predominantes mais próximas das comunidades do discípulo amado eram o judaísmo rigorista, fundamentalista e moralista ou as religiões mistéricas ou as religiões imperiais, todas anticristãs. Pela utopia do reino de Deus testemunhado por Jesus Cristo e também por necessidade, as comunidades do discípulo amado buscavam colocar em prática um projeto de vida que se pautava por quatro aspectos entrelaçados: amor, justiça, solidariedade e fraternidade.
Em 1 Jo 1,1-2,28, vemos que as pessoas das comunidades do discípulo amado buscavam andar na luz, porque “Deus é luz” (1 Jo 1,5). Sim, Deus é luz, mas não é só luz; Deus é também justiça. Por isso na parte de 1 Jo 2,29-4,6 vemos que andar na luz implica viver na justiça. Mas que tipo de justiça a Primeira carta de João defende e que deve ser a bússola que nos guia? Certamente não é a justiça legalista e capitalista, nem a do mercado e nem a da meritocracia. A justiça que o Deus da vida quer inclui uma reorganização geral e profunda da sociedade onde o bem comum seja a coluna mestra. Implica também superar o sistema do capital e o capitalismo. (Escrito a partir de um texto do Frei Gilvander Moreira, Biblista).
Esperança no mundo, Brasil de hoje. Quanta fé e oração para permanecer unidos ao Projeto de Cristo e não esmorecer. Obrigada pela reflexão e ensino.
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