Estou indignado. A matança dos Santos Inocentes continua. No dia 30 de
dezembro, no apagar do ano velho, em Imbituba, Santa Catarina, uma criança, de
dois, enquanto amamentava no colo da mãe, foi degolada. E o pior de tudo é que
a grande mídia se calou. Silenciou. Cumpliciensiou...
Pedro A. Ribeiro de Oliveira, sociólogo, professor na PUC-MG, amigo de vários encontros que
participei, escreve o que também eu escreveria: “Nesse dia seis de janeiro, ao
celebrar com a Folia de Reis a visita dos Magos ao menino que amedrontou
Herodes, me veio o gosto amargo da derrota sofrida em Imbituba, há
apenas uma semana: Herodes mandou degolar mais um menino. Com o requinte de
crueldade de ser a criança atacada justamente onde nos sentimos maior segurança
– o colo materno.
Se Vitor fosse
branco e estivesse com a família em uma praça do Rio ou São Paulo, o crime
hediondo estaria em todos os noticiários e provocaria repulsa maior do que as
fotos de prisioneiros prestes a serem degolados por terroristas do Estado
Islâmico. Mas Vitor é Kaingang e só foi morto porque índio não
tem valor para a sociedade. Tal como o Herodes bíblico, eliminam até mesmo
crianças que possam um dia ameaçar seu poder.
Em outros tempos a Igreja católica
não ficaria em silêncio diante de um crime como esse. A nota do CIMI seria
acompanhada de uma nota dos bispos e repercutiria por dezenas de milhares de
comunidades de base de todo o Brasil. Celebraríamos os Reis magos, com certeza,
mas não deixaríamos em silêncio o crime cometido por Herodes apenas uma semana
antes. Pediríamos perdão por não termos evitado, com uma legislação e uma
educação corretas, o preconceito contra os povos indígenas e nos
comprometeríamos com os Santos Reis a tomar outro rumo nos caminhos da história.
O sofrimento daquela pequena família Kaingang ao ver seu filho
caçula esvaindo-se em sangue deveria dar um sentido mais realista à celebração
da Epífania: aprender com os Santos Reis da bela tradição popular, a ver
naquela criança degolada o anúncio da Libertação dos Povos Indígenas.
Que neste ano da Misericórdia, ao
passar pela porta do jubileu e entrarmos numa igreja, sejamos chamados à
conversão e saiamos pela mesma porta para assumir a defesa da Vida das crianças Kaingang, Kayová, Mundurucu e
de todos os outros povos que há quinhentos anos querem nos ensinar a viver em
Paz com eles.”
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