quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Herodes e o menino


            Estou indignado. A matança dos Santos Inocentes continua. No dia 30 de dezembro, no apagar do ano velho, em Imbituba, Santa Catarina, uma criança, de dois, enquanto amamentava no colo da mãe, foi degolada. E o pior de tudo é que a grande mídia se calou. Silenciou. Cumpliciensiou...
            Pedro A. Ribeiro de Oliveira, sociólogo, professor na PUC-MG, amigo de vários encontros que participei, escreve o que também eu escreveria: “Nesse dia seis de janeiro, ao celebrar com a Folia de Reis a visita dos Magos ao menino que amedrontou Herodes, me veio o gosto amargo da derrota sofrida em Imbituba, há apenas uma semana: Herodes mandou degolar mais um menino. Com o requinte de crueldade de ser a criança atacada justamente onde nos sentimos maior segurança – o colo materno.
            Se Vitor fosse branco e estivesse com a família em uma praça do Rio ou São Paulo, o crime hediondo estaria em todos os noticiários e provocaria repulsa maior do que as fotos de prisioneiros prestes a serem degolados por terroristas do Estado Islâmico. Mas Vitor é Kaingang e só foi morto porque índio não tem valor para a sociedade. Tal como o Herodes bíblico, eliminam até mesmo crianças que possam um dia ameaçar seu poder.
            Em outros tempos a Igreja católica não ficaria em silêncio diante de um crime como esse. A nota do CIMI seria acompanhada de uma nota dos bispos e repercutiria por dezenas de milhares de comunidades de base de todo o Brasil. Celebraríamos os Reis magos, com certeza, mas não deixaríamos em silêncio o crime cometido por Herodes apenas uma semana antes. Pediríamos perdão por não termos evitado, com uma legislação e uma educação corretas, o preconceito contra os povos indígenas e nos comprometeríamos com os Santos Reis a tomar outro rumo nos caminhos da história. O sofrimento daquela pequena família Kaingang ao ver seu filho caçula esvaindo-se em sangue deveria dar um sentido mais realista à celebração da Epífania: aprender com os Santos Reis da bela tradição popular, a ver naquela criança degolada o anúncio da Libertação dos Povos Indígenas.
            Que neste ano da Misericórdia, ao passar pela porta do jubileu e entrarmos numa igreja, sejamos chamados à conversão e saiamos pela mesma porta para assumir a defesa da Vida das crianças KaingangKayováMundurucu e de todos os outros povos que há quinhentos anos querem nos ensinar a viver em Paz com eles.”



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